quinta-feira, 4 de novembro de 2010

O que trago de mim?

E mesmo assim, ainda dou mais um trago…

Mesmo sem lábios para apoiar o cigarro, faço questão de sentir a fumaça e despejar o calor do seu batom em minha boca... faço questão de enlouquecer com uma valsa surda para os mortos, esquecidos na indiferença do que viveu ontem, e se esqueceu de morrer de novo...

Não mais tenho como fugir da vida, mesmo sendo tragado por ela a cada instante, a cada respiração, a cada trago no cigarro de si mesmo, manchando os dedos de amarelo e a alma de vermelho...não tenho mais como dizer não!

Manchando os lençóis com a toda a aberração que o desejo pode trazer a tona, em gargarejos sanitários, em descontrole proposital, perdendo a vergonha que atrapalha o erro, e tira do gozo o gosto de prazer... perdendo o medo.... desligando a trava que mora dentro de nós

Não tenho como fugir de mim mesmo, mesmo perdido no absoluto de meus extremos, na incoerência da duvida e da falta de sentido, no não sentir quando tudo se sente, quando tudo se abraça sem saber como encostar...

E mesmo assim, ainda dou mais um trago

Em dia de mortos que ainda vivem, e se entranham dentro do nosso pensamento como vermes revelados em baixo de um toco podre num pântano de crianças envelhecidas, de adultos inconformados, de velhos enlouquecidos...

Mesmo no auge da contaminação e na imperiosa necessidade de banimento, mastigo o pó amargo da própria existência sem voz, muda de desejo e vontade, cega de discernimento, e surda ante o mínimo comando que pede uma resposta...

Na imobilidade me atrofio, e sinto que algo ultrapassa meu corpo como um gancho que suspende minha alma para fora, tira as minhas vestes, e me coloca na posição de marionete sem maquiagem, sem músculo livre de um cordão...

E mesmo assim, ainda dou mais um trago

E mesmo assim, trago o desespero para dentro de casa, quando vivemos uma alucinação e já não sabemos em quem confiar, muito menos quem somos, e o que fazer com tudo isso que sentimos quando reiteradamente giramos nossos dias no subconsciente das mesmas perguntas, quando antes do ponto de interrogação, deparamo-nos com a face gélida do vazio abominável...

Tudo é vazio, e ao mesmo tempo, tão cheio de vida...

Tenho medo de não ser mais nada, e não ser o que sempre quis ser

Livre

Tenho medo de morrer enquanto vivo

E permanecer na escravidão do acaso atemporal

Num frasco de perfume barato, engarrafado como um aroma pobre sem fixador

Tenho medo de dar o próximo trago, e antes de acordar para a vida

Me deparar com o velório de mim mesmo

Onde nada restou para tragar

E mesmo assim,

Nesse encargo perpétuo de suportar o que somos

Sem anistia ou indulto

Ainda dou,

Lastimável

Um último trago



FC

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