terça-feira, 8 de junho de 2010

O FAZENDEIRO & a Rosa

Num belo dia ensolarado,
de matizes de fogo,
cujo céu encantado de nuvens mais que rosas,
de colinas mais que verdes,
e campos sem fim de matos ceifados,
ou quase intocados,
brilhou um pouco mais,
nos fins dos quintais
da casa de campo desse homem barbado,
pela labuta da terra,
com o cheiro de grama acostumado,
fazendeiro aposentando,
cultivador de bananas,
de tempo e sapiência,
de alta gerência,
de fato,
mais do que a terra ligado,
um gigante do interior,
de pompas e gado,
de tudo aprumado,
em uma mão seu charuto,
esse rosto marcado,
e na outra bengala,
de tanto pelas terras,
com fome de ouro ter andado,
ter feito mulher revoltada
quadro sem moldura
em parede de senzala;

brilhou um pouco mais o amanhecer
para esse Homem coronel,
de porte, e rigidez;
em seus calos a grosseria inerente ao mundo recluso
de seu povo e sua gente,
do resto, do além que não interessa,
que não diz nada de bem,
que nada significa para sua labuta,
esse homem de peso e de galho,
de barba hirsuta.


Exatamente nesse dia magistral,
de beleza infinita e indizível,
de perfeição silvestre absoluta,
inconcebível,
que no meio do bananal,
numa sombra reclusa,
em um pedaço de nada,
esquecido pelas outras plantas por ali germinadas,
que sem razão e sem porque,
sem possibilidade aclamada,
sem muito menos um planejar ou um querer,
se viu nascer,
encantada,
de amor filial,
aos pés das bananas,
muito mais que um motivo,
e muito menos que um roseiral,
apenas
uma,
singela,
delicada,
a luz de um sol infinito,
abaixo de um azul celeste, intocado vitral,
de cadência completa,
com sua música silenciosa,
uma,
perfeita,
vermelha,
espontânea
Rosa.


E tudo estava ali,
o tempo e o amor,
e também o fado,
desse mundo de tudo um pouco encantado,
para lhe sorrir,
e lhe plantar amorosa,
encharcando a raiz de sentimento tal,
e assim lhe nutrir,
e fornecer todos os sais,
cada pedaço de algo que necessitais,
estaria ali,
para assim se fazer,
e com todo o cuidado e zelo conceber
o crescer infinito da Rosa,
que sem fim estaria para a todos encantar,
e assim seria, pois isso era seu ser,
sorrir e dizer,
mais e mais,
o quando temos de amor para florescer,
para ser,
em cada pétala,
em cada parte de seu talo,
estaria firme afirmando o eterno dizer,
em seus beijos de orvalho,
e convidando ao natural mergulho
pra o dentro abissal,
do mundo do jeito que é,
sem o véu capital,
assim ela faria,
pois foi feita para tal,
pois nada era
além da mágica poesia da vida,
as vezes um pouco sofrida,
e ai também,
nesse exato momento de solidão,
e não compreensão,
também estaria ela,
sorrindo,
com paixão,
vermelha em seus lábio de pétalas e coração,
assim seria feito,
pois ali já estava,
nasceste,
vieste,
cresceste,
o sol lhe beijava,
e em teu mundo despejava a luz,
e também vinha a chuva,
a água do deuses,
e em seu solo depositava a seiva, o néctar,
o sustento desse amor que nunca lhe faltava,
para germinar, e eternizar essa expressão celestial,
e florir sua cor,
espalhando essa arte por todo o bananal,
assim era pra ser,
e assim o seria, se...


Com olhos céticos não a tivesse enxergado
o Senhor Maioral,
o plantador de bananas,
rico e bem quisto,
por uma família muito igual,
que logicamente atestava,
com lúcida capacidade,
para tudo que o contestasse,
no seu direito de propriedade,
no seu domínio sobre cada ser que ali,
baixo alcance de seus olhos,
viesse por um acaso do mundo,
a nascer e a se estabelecer...
e talvez por vileza
ou falta de sensibilidade
desse homem banal,
ou por terra nos olhos,
ou até mesmo
um pouco de lama,
não teve o bom senhor o cuidado esperado,
de só perceber
que ali estava uma rosa,
fruto da terra,
fora da lama,
e que outras plantas também podem nascer
onde só existem bananas...


Talvez por querer do mesmo jeito,
tudo sempre fazer,
e já esperar tudo acontecer,
como sempre foi feito,
talvez por não saber esperar algo
que já não seja o esperado,
ou até mesmo,
por não permitir
ou em seu pensar conceber outra forma
ou outro método desenvolto,
outro produto que não seja
minuciosamente o seu labuto,
destemido, inofensivo, pronto
e perfeitamente acabado,
surpreendentemente igual,
o mesmo sem susto,
delimitado,
pré concebido em seu querer,
aceito por tudo que já tem,
tudo que cabe no pedaço do todo,
elegido como o Todo,
de um Tudo que por algum motivo não vê.


Talvez por não querer,
mas foi assim que em seu andar,
o Marechal,
Senhor Absoluto,
Presidente dos destinos das terras,
da vida que cabe dentro desse grande cercado,
para além do alcance da vista grandiosa,
ao longo da jornada,
de um dia ordinariamente diário,
como foi o de ontem e o será o de amanha,
em sua caminhada baixo ardência
dessa vida de Sol,
de pássaros e Moinhos,
e suor de pele calorosa,
sem querer tropeçou numa pedra,
a tal pedra no meio do caminho,
e caiu frente a única,
silenciosa
Rosa,
e no cair,
sem ver,
sem sentir
a Rosa que ali estava apenas a florir,
resmungou poucas palavras,
graves, agudas,
que pediam,
e exigiam,
ao séquito falaz,
aos ventos emudecidos pela solidão,
e aos ruídos que um boneco careta faz,
uma convincente explicação,
um motivo, um porque, uma súbita resposta,
sobre tal visão mentirosa,
sobre o que ali estava, e como ali podia ser,
o que alia fazia uma banana rosa?


“de certo esta doente,
 ruge de efervercência,
atesto eu com quase 100 anos de experiência,
que uma banana rosa não pode ser
simplesmente”


E então,
para pugnaz terror,
concebido além do azar,
e de má sorte tão mordaz,
foi o senhor,
de perto a tocar,
e desprovido do cuidado,
sem carinho,
esbarrou seus dedos de lei,
no silêncio de um espinho,
que abriu sua voz,
tingindo sua pele de vinho,
para de todos o estupor,
ante grito imoral,
e xingamentos de dor,
condenava suas falas provindas do corte a Rosa,
a uma precoce
impensada,
túrbida morte,
anunciada pelo vento,
e pelo súbito fechamento
de nuvens antes róseas,
que como algodão plainavam no firmamento,
e agora,
tetras e carregadas,
negras pesteavam o céu
com suas funestas risadas,
nascidas da maldição,
de impulsiva condenação,
destruição de uma infância,
pelas garras robustas
de um cetro de ignorância...


Assim seria feito,
porém seu séquito falaz,
e de todos,
em especial seu jovem precavido primeiro capataz,
em óbvia prudência lhe aconselhou,
percebendo o negror sideral
e das aves o lúgubre clamor,
sabendo tal um explícito sinal
de mau agouro dial,
e de tudo sendo total
supersticioso e moral,
preferiu em louvor divinal permanecer,
com sua intentada misericordiosa,
e não poupou esforços ao dizer,
quando interferiu pela Rosa,
argumentos que levaram o fazendeiro refrear
sua sentença odiosa,
e refletir novo destino,
um apogeu à renascença,
à planta lacrimosa.


“pois então, visto infame insistência, acordo que com vida moral esta permaneça
a desfrutar da luz e do sal nos cercados de meu bananal,
mas para tanto, há de me provar ser uma Banana normal,
sem essa delicadeza multicolor, sem espinhos,
e que com firme rigor na terra se estabeleça: ereta, de áurea conduta, previsível e discreta, certeira,
um exemplo digno e fiel, inatacável, primordial de uma perfeita bananeira,
antes que próximo ar estival anoiteça,
senão por esse sangue que me corre nas veias, eu juro,
com as próprias mãos arrancar sua corola ou o que entenda por ser sua cabeça!”



Dito então,
do caminhar se evadiu,
e para casa partiu com a lembrança,
sentido em suas mãos agora sempre uma mancha,
pois querendo ou não,
havia sua aspereza
sido tocada pelo espinho da Rosa,
que mesmo cortando,
peca em delicadeza,
majestosa,
e assim espalha o teor de um amor absoluto
e invencível,
a imaculada beleza,
por tudo que brilha,
em tudo que toca,
semeando essa poesia infinita e amorosa,
que ao ódio desfoca,
o deixa contumaz,
que o perjúrio desboca,
em suas entranhas o desfaz,
que a inveja desloca,
e para a claridade lhe traz;
trazia agora em seu ser o gérmen da criação,
apesar de contrário a sua condição,
estava ali plantada o embrião da salvação,
do sorriso sem peso,
da leve sublimação,
de sua humana elevação...


E assim fora dito então,
pela voz do espinho,
era dado a vazão em sua alma banal,
o sonho da transformação,
pelo vermelho no sangue,
o vermelho da Rosa,
vermelho paixão...


Um pequeno corte,
o mínimo contato,
uma única dose,
basta um só olhar,
suficiente,
iniciada estava a metamorfose,
em seu corpo pedreiro,
de cascalhos de pedra em lugar de sentimentos,
de penedos e rochas logrando o entendimento,
ali estava o doce amanhã,
a vida real querendo em sua alma viver,
a felicidade,
estava tudo ali,
por um tropeção do acaso matreiro,
que levou esse rústico,
entristecido fazendeiro
ter sido pelo transcendente amor
depois de velho contaminado,
em verdade, ligeiro,
pelo espinho da Rosa
lhe veio a possibilidade....um beijo do cupido certeiro!


E assim, o ano passando se foi,
e em seu tormento crasso,
rebelde debelava-se contra o estabelecido prazo
dado a Rosa para sua absurda,
impossível transformação,
pois como se faz planta gigantesca em alma e poesia,
se ver transmutada em outra pequena de cor e delicadeza de iguarias?
mesmo com esforço, mesmo com dor,
como se faz para transformar em sentimento outro este que seja o de puro e absoluto amor?
Como?
Mesmo em insistência,
mesmo com todos os adubos dos solos do mundo essa Rosa infestar,
nessa planta chorar os desaguando, despejar e contaminar,
com fermentos outros,
com tentativas das mais criativas,
com a luz da disciplina ética,
com escolas céticas,
com consultas esotéricas,
ungüentos de superstição
e psicologia,
e aprimoramento das altas técnicas,
com tudo procurado,
tudo feito para o mais alto sucesso inteligível buscado se ver realizado,
em vão,
tudo e pouco mais,
como transformar o inapreensível?

Pois então,
na certeza do arraso,
e na quase extinção do estipulado prazo,
como mais proceder,
senão com inteira desistência,
apagando-se a chama
da delinqüência que clama
por ver num roseiral
o brotar da banana,
de demência a clareira,
pois transformaste a Rosa em tudo menos Rosa
e em tudo menos bananeira!


O que ser?
O que fazer?
Como calar a voz que ainda canta?
Impossível será não ser.
Impossível calar um ser nascido para rosar.
Impossível é não amar!


Findo o prazo tal,
no horizonte a esverdear o derradeiro dia estival
se propunha a menos de hora se enterrar.
Estava triste o bananal,
e o seu fazendeiro,
em conflito infernal,
pois tinha em seu ser a semente de seu rival,
o amor transcendental,
que ardia para florescer,
para ser,
ardia fenomenal,
em cada molécula,
para esparramar em cada raiz,
radícula,
em cada fécula desse bananal,
o substrato principal da unidade em comunhão,
do além em adjunção com o todo do agora,
posto em firme lastro de paz e clareza total,
intumecidos olhos todos de beleza,
plenitude do Ser,
cheio, completo, de vida e certeza,
do amor substancial,
do universo inteiro dentro de nós,
do bem e do mau,
tudo posto quanto tal o é,
desfeito conflito moral,
e abraçado o mundo,
de todas as possibilidades,
onde tudo é diferente,
e o pode ser sendo absolutamente
contundente,
e perfeitamente igual!

Assim queria rasgar sua carne,
e assim faria,
enlouquecer o mundo com absoluta sabedoria!
Era tal o fado,
que sonho este posto a nado
no rio da vida se faria
na terra de Deus o principado!


Propenso o fruto, na árvore dependurado,
na eternidade o absoluto da impossibilidade,
da Rosa transformar, e da beleza negar!
Assim realizaria a luminescência divina em olhos parvos,
seria completa a profecia,
se nosso mestre em luta desigual,
tivesse pouco mais se desgarrado do entulho,
e não ouvisse o passado enterrado em seus pés,
não subjugasse seu mover ante fatal orgulho,
âncoras amarradas no calcanhar,
que lhe desmanchavam o futuro,
e se permitisse abrandar os temores,
os gritos de socorro,
que lhe imploravam desapego,
um convite ao novo,
sem tablado regrado,
sem discursos manjados
na tábua imóvel dos valores!
Fatais valores, que como horrores
lhe cegavam o ouvir da dial melodia,
o correr de seu sangue manchado de novo,
liberdade de amores;

mas seu ser tão moral e calado ao perfume celestial,
se viu engessado e finito,
e envergonhado de si, por ousar dizer,
ou até mesmo assumir,
um outro discurso,
ou um outro ser,
em si estabelecer,
pois o que faria,
com os olhos acostumados dos outros
que já sabiam como ele
sempre cobrou o proceder?
Como ousar em não ser
o que sempre foi?
Como dar o prazo a torcer?
Como viver?
Como não honrar?


E dado intransponível muralha,
no plantio nuclear,
se viu o exausto fazendeiro,
exaurido de forças,
quando sentida perdida a batalha contra si mesmo,
era invencível,
escravizado pelo seu próprio sagrado,
imutável,
Senhor Bananeiro,
e incoercível
no terreiro,
sem mais adiar,
visto o fracasso explícito
de um ano de intento,
e o que antes era rosa agora nem mais a rosar,
e muito menos,
um fruto alheio a suas pétalas iria lhe dar,
mandou revoltado,
perturbado,
a planta executar:
que lhe jogassem ao mato,
ordem esta a ser cumprida de imediato!


E assim foi feito,
Rosa dos anjos em tudo mais que bela,
seu viu despojada de seu leito,
e expulsa do tálamo,
tendo por uma foice perdido a vida
quando cortado seu talo...

E assim foi feito,
perdeu a vida essa flor,
por não ter sido compreendido o seu amor!

O amor morreu.
Os anjos choraram,
desfeito himeneu...

E por triste final,
quando levada a notícia ao Senhor do bananal,
este em urros
e remorso visceral,
não agüentou seu condão,
uma vez infectado de amor,
uma vez de vida contaminado,
se viu na dor,
um infinito desespero,
e em seu eterno silêncio permaneceu,
resignado,
se encerrando dos dias,
sozinho
enlouqueceu!


Assim foi o fado,
assim não teria sido,
se não fosse fado!

Se não fosse a escrita dos homens
em vícios de verdades impenetráveis acostumados!


Assim foi um adeus,
do amor tatuado em uma flor,
sumariamente executado,
na dor crucificado,
em horror de vermelho e espinho...


Assim foi como veio,
silenciosa,
em sua poesia de morte,
que nada pedia,
além de vida,
e alegria,
assim partiu a Rosa...silente!


Mas pela graça crente dos povos,
e dos amores vindouros,
como deixou o louco um filho,
também se viu,
na terra rosada,
manchada de sangue de Rosa Vermelha,
o brilho de uma rósea... semente!

Se viu a vida de novo,
plantada no solo,
nas cores da alma,
no amanhã do hoje... poente!

E assim se fez a Luz..
E assim,
Nasceu a Fazenda...



fernando castro.................cuidando do jardim.

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