domingo, 13 de junho de 2010

Le corbeau

Anda, rápido, saia daqui,
Vista tuas asas negras,
Sorria endiabrado! Perdi
O brilho de centelha
Desse vôo anoitecido
dos olhos em chamas
quando monstro alucinado
em mim , desfaleci
Teu sangue envenenado
que sorri... sorri!



Eram essas as palavras, o peso no ar se empestava de gralhados junto ao vento, urdindo pelas frestas da janela de madeira velha, pelo mínimo de espaço deixado ali para esse vento entrar, e ressonar com atrito sua voz sombria, seu grito de satanismo e genocídio pelos cantos do quarto profanar. Era esse o inicio dessa madrugada em tempestade, em dores nos ossos, e alucinações, e medos transfigurados no escuro. Por que não cantavas o amor? Por que não olhavas para a parte diáfana e colorida de seda do nascer encantado das coisas? Por que não sorria? E após este pensar, foi extamente após essa inquietação que assumia imperiosa cobrança frente a si mesmo, debulhado no pedestal de uma janela sem fim e sem término, no umbral, no exílio de um vendaval interposto entre a meia noite e o seu final, que no décimo terceiro andar de homicídio, ele sentia o desejo de não se perguntar mais nada, e se atirar não céu abaixo, mas na simplicidade de uma vida cotidiana, aplacada pelos calmantes que uma rotina pode lhe dar. Um trago, nesse momento um trago. Talvez o último, talvez o primeiro. Sabia que não seria naquele trago que sua paixão encontraria uma resposta ou um sossego, mas sabia que ali estava o agora, naquele mísero trago. Tanto faz. Podendo esquentar seus pulmões com essa magia que se mistura e derrete no ar, fumaça dos sonhos, ele se sentiria um pouco mais vivo e lúcido, pois ali ele se reconhecia, ali já era de novo ele. Sem fuga de nada, sem metamorfoses sem sentido. Queria o comum e o básico. O feijão com arroz ao meio dia, e sem exigir muito, o sono a meia noite. Um suspiro. Não seria assim. Nunca mais. A vida era um esqueleto, sem revestimento. Não havia mais pele, em nada, sua loucura havia lhe condenado para a maior das infelicidades terrenas. Viver essa poesia fantástica gratuitamente dada aos olhos com o desespero avassalador de sua inversão. Não existia mais pele, em nada, de tudo arrancado, até da mais irrelevante árvore, não haviam lhe poupado a beleza. Olhos molhados de tristeza e solidão. Oito gramas de cocaína em cima da mesa. Um canudo. Ninguém para levá-lo ao hospital. Sete dias depois...uma missa.



f.c.

Nenhum comentário:

Postar um comentário