sexta-feira, 11 de junho de 2010

CIDADE das NOITES

E porque nao haveria de chorar?


Uma única vez sequer, porque não poderia rasgar meus olhos com as chamas das lágrimas sem motivo, sem gosto de tragédia e saudades, sem razão?

Pela loucura de todos morremos cada vez mais de pressa, e sem tempo, não aprisionamos nosso olhar no simples, não aprendemos com o cheiro da manhã respirar a tranqüilidade de uma luz solar ao se escorregar numa pele consciente de si mesmo!

Para onde foi essa percepção,, por que remoto se foi o controle do ar, mais condicionado a refrigerar todos os ambientes poéticos de nossa alma mais fria, mais esquecida ao relento?

Rapidamente, o clarinete desperatava meu dia como a garganta de um touro robusto e dourado, cuja pelugem brilhava em meu pensamento virilidade e desejos secretos de labirinto, onde nada se perde, e o nada se recria!

O sol insistia em chover aos pedaços, parcelado pelas nuvens de todos os tempos, as mesmas da antiga era da paz, e as mesma do futuro robótico das guerras, e da dor massificada em pensamento, alienada, amortizada pelo seu próprio excesso, que conduzia a carne a se acostumar com a própria falta de polidez! Assim era despejado os alimentos para as células da modernidade, mastigados e insípidos, sem gosto de vida com creme de leite, embrulhados em uma ração paletizada, triturada e moída com dejetos de transformação anestésica e cirúrgico calor!

Éramos todos livres, presos num quarto chamado Liberdade.

Um quarto de sala, um quarto de hora, um quarto de vida.

Esticávamos nossa pele e nosso tempo ludibriando nosso pensar com a primária sensação de se viver mais, porém abreviávamos a metade de nossas vida pela metade, e ainda pagávamos mais por isso.

Sem tempo para sorrir. Sem tempo para motivar um sorriso. Sem motivo para ter tempo.

Aonde estão os heróis que assassinavam os deuses? Para onde foram os braços que erguiam as lendas pra fora dos livros de papel, e sustentavam músculos mais belos do que todos os vícios anabólicos e obsessivos juntos?

Todo esse aglomerado de corpos soterrados pelo peso vazio de uma vaidade volátil, condutível ante mínimo sopro de reprovação, vulnerável, sempre na expectativa e na espreita do olhar do outro para se consubstanciar, para viver, para se sentir cheia em seu significado e propósito, de um outro que certamente espera o mesmo de você!

Vã presunção, ciente de sua pose em manequins que se mantém como as cracas presas em seus comparsas para melhor unificar a insignificância, e majestosamente, como bolhas de champanhe que explodem com o acordar do petróleo negro na espuma de um copo de cristal, se desfazem todos os dias, para se criarem de novo, todas as noites, exatamente iguais.

Assim era o funesto brinde do amanhã, mergulhado nesse momento de gozo ao se acordar, olhar para o lado, e ver um estranho sem roupa se desmanchando na sua intimidade, violando o seu silêncio com sua respiração invasora. Era sua carne que meus dentes pediam. Seu sangue infectado talvez seria o antídoto para o meu veneno...para a minha falta de cura. Na doença do outro perco minha sanidade, e na minha doença perco o outro. Como sobreviver a esse estupro? Como devorar a si mesmo com a garganta empapada de sangue alheio, que quente escorrega por uma traquéia de fumaças e gin?

Beijamos o que sobrou do estraçalhamento de cadáveres mortos ao longo de anos de racionalização do extermínio em massa em máxima eficiência. Somos o produto de sucessivos testes nucleares, e nada mais se espera de nosso esperma radioativo e estéril, onde nada mais se cria fora a palidez incansável de uma orgia sem desejo e automática, conseqüência dessa herança genética de noites que se repetem, e nunca se acabam. Desta forma abre a luz um corte em meus olhos ao atravessar um sulco na janela trancada, como um bisturi em seu apogeu perfura minha retina seca, dando uma agulhada em meus sentidos embevecidos com o escuro. Sou o vampiro de mim mesmo, e passo nas trevas eternas buscando buracos em espelhos para depositar meu viciado desejo. Somente esse reflexo apagado da vida que enxergo, e tudo o mais diferente se tornou para mim invisível, atravessando meus sentidos como esse feixe de luz que agulhou a calcanhar de meus olhos. Busco um osso para palitar os dentes de minha genitália, e pouco bêbado, me conformo com o lixo augusto de uma menina das camélias, prostituta de vinil, em botas de couro e cinta de zinco e titânio. Algemo meu instinto na parede enrugada pelo mesmo mofo ardendo em nossa pele, e de cócoras, rebaixo todas as possibilidades de olhar para o amanhã, e espremo com meus músculos mais quentes toda a invasão repulsiva e consoladora desse objeto vivo que escolhi para ressuscitar-me ao menos nesse instante. Com olhos injetados transpiro meu prazer em loucura insaciável, em movimento cuja incansável repetição leva ao total aniquilamento de uma integridade que sangra compulsão orgânica e pedaços de sadismos, espalhados num tapete improvisado de lençol. Dentro de mim um braço, o tal braço do herói que um dia erguia lendas agora empurra meu intestino cada vez mais para seu interior. Ai estão os heróis do agora. O cúmulo da obscenidade. No sangue e na urina que escorre de nossas bocas quando vamos à missa. Na santa ceia escatológica de todos os santos, que juntos devoram seus pecados e mordem as vísceras do demônio no café da noite, no chá da manhã, e no almoço da madrugada. E logicamente isso é apenas o começo, pois quanto mais enterramos em nossa carne o falo da destruição, mais queremos rasgar o resto de dignidade que possivelmente poderia se insurgir contra esse novo paradigma moral, onde a amoralidade nasce com a escassez de saliva na pele, suor na seringa, e lágrimas nos quadris. Um brinde aos demônios da serenata ao luar, ao doce de mácula negra borbulhando debaixo de minha língua, testando o meu paladar com ruges comentários de sentinelas virtuais que muito se assemelham aos monges da perfídia medieval, sempre recalcados de desejos, e sempre na espreita de uma cena decorada por outros corpos para alimentar sua voracidade de imagens e experiências as quais não têm a devida coragem para viver.

Sim, essas assombrações do delírio desprovido de culpa perseguem o vexame histérico de minha lucidez esparramada com a sujeira da sarjeta, deflorada pela luz da manha virgem de rostos sinceros e mãos por demais macias para afagarem carinho. Assim caminhamos torpes e invadidos pelo cinza de uma calçada abjeta, descalços no concreto da cidade do fim dos dias, na cidade das noites! A luz cada vez mais se encurta em seu espaço de papelão, como fósforos que nunca serão acesos dentro de seus sarcófagos, caixas, e mais caixas empilhadas no escuro, pretas, estremecidas pela continuidade infinita dessa escuridão que o dia devora, e a noite propaga, que a seiva absorve e o negror do veneno de um vício pelos corredores sem teto destila, ofegante, cadavérica, impura. O rastro da decadência presos nos tecidos esfarrapados de meus cílios, bagunçados, atados no véu das máscaras, na cola da ante-face, que asfixia cada centímetro dessa sensação de autonomia que compramos nos novos tablóides alternativos, editados por nós, e feitos para nós. Agarrado na cauda dessa decadência em formato de cometa sideral, cintilante, hipnótico, de luzes negras e voláteis, sufoco o ventre de minha mutação, e como um girino entorpecido por si mesmo, que não desgruda sua língua de um rabo lascivo, impedindo assim sua ascensão para qualidade ultima de anfíbio perfeito, adaptado ao mangue e ao lodo contemporâneo dos tóxicos e poluentes do pós industrial, permaneço flutuando nessa galáxia sem referências, onde todas as referências se comunicam e se referem a tudo, e nada dizem ao mesmo tempo, nada de novo, nada além de sofisticada rebeldia, recheada pelo mesmo gosto infantil dos meninos e meninas cuidados por padrastos pornográficos de imagens e proibições. Os rebeldes sem futuro. Sem porque. O que fazer com tantas pontes, com tantas portas abertas? Com tantas calçadas sujas? Como escolher a melhor janela para se suicidar se todas estão abertas? Será mesmo igual o efeito?

Será que existe efeito? Ou será que somente existe efeito sem causa?

Assim transpiro meus dias, anuviados por uma procela de deuses infernais masoquistas e temerários ao risco de enjoar-se da vida por tanto viver. Em breve, nem mais as crianças nos seduzirão, e seus corpos também não bastarão ao nosso desejo sem prece, sem obstáculo. Porque não posso desfilar a sutileza de meus órgãos nos beijos das delicadas pernas desse menino impúbere, que com sua pele em marfim pisca aos meus olhos de rubi? Porque não posso despejar meu conteúdo contaminado de perversões livres do asilo de pandora para dentro de seu reino já fadado aos tijolos de um muro chamado Sodoma?

Ainda tentam encontrar uma ética no meio de uma selva estraçalhada por bastardos atômicos e elétricos, onde se fumou pedra sobre pedra, e reduziu-se o solo a uma solidão de temperos e iguarias cobertas pelo pó químico de extintores de incêndio. Algo que se salve, algo que valha a pena. Algo para se proteger e lutar. Um sinal que não seja cinza. Uma cor. Como se precisássemos dizer, estão vendo, nem tudo está perdido. Como se algum dia não estivesse. Como se de fato existisse essa distinção. Como se no âmbito particularmente privado fosse tal idéia aproximar se do mínimo de relevância para significar uma física manifestação de qualquer coisa. Como se isso fosse impedir a humanidade de sempre gozar suas loucuras e intermináveis doenças e a rir daqueles que acham que o mundo algum dia foi conservador, ou que a vida alguma vez conservou qualquer coisa ou valor que ela mesmo não transgredisse infinitamente quantas vezes quisesse, de baixo de quantos olhos que quisessem ver. Como se ainda restasse alguma dúvida de seu sarcasmo numa história exótica onde convidavam-se pessoas para assistirem seus irmãos sendo incendiados no meio de uma praça. Como se não existisse outra forma de incendiar alguém. Como se fossemos de verdade livres. Se é que essa palavra tem algum significado real. Liberdade. Se é que existe nela alguma coisa além da própria metáfora do aniquilamento e da prisão, da própria condição escrava do homem perante tudo que o cerca, inclusive e principalmente, a consciência de si mesmo. Liberdade. Intagivelmente livre. Um lindo convite para ser pintado e posto em uma tela de museu, e guiar multidões à uma vala que cheira cadáveres mortos em cada um dos que aqui nascem sabendo que morrem, como um chip, perfeitamente adequado a todas as particularidades dessa livre criatura, esplendidamente livre. Fantástico. Quanto mais livre ela se vê, quanto mais sentir essa liberdade única, impagável, menos necessidade terá de irromper, de fazer qualquer esforço para operar a vida de outra forma, para deixar de ser livre. Imaginem uma prisão de segurança máxima onde nenhum dos presos acreditam que estão presos. Não existe fuga. Não existe prisão. Não há saída.

Um brinde à Liberdade.



E apagaram a luz. E foi desfeita a ilusão.



fernando castro !

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