sexta-feira, 28 de maio de 2010

SIDADE dos mortos

SUI...IDA


Uma luz baixa ecoa no fundo dos últimos instantes de um dia que se desmancha. Junto a ela, chora-se tons de cores desfalecidos nas nuvens violáceas, violadas somente pelo mutismo de um surdo olhar, apregoado pela mancha do céu escorrido numa lágrima. Esta, cristalizada por uma melancolia surda e azul, molhada ainda estava pelos vestígios das imagens invertidas de córnea, dançando etéreas na plataforma de sua íris solitária, ausente, distantemente inviolável. Nada chegaria a lhe encostar.

Nada.

Sequer o canto de um pássaro amarelo. Sequer o orvalho sobre a tez de um pêssego. Acena de longe, afoito de introspecção, um adeus de tristeza lânguida e sem fim. Impertubável tristeza gélida no vidro da janela desse trem ,que parte para o nunca mais, para a outra estação, para além desse agora com cores e plantas, com frutos e amores. As notas são graves no adágio em serenata de uma juventude, cujo cântico se perderá nas vozes dessa infalível deficiência. Incurável destruição. Assim ela se manifesta, em todos os instantes. Como um purgatório num labirinto celular, sem saída. Como um barulho de mar incessante dentro da cabeça. Assim ela canta, em todos os detalhes dessa vida abreviada, desse destino interrompido. Pensamentos são facilmente seduzidos. A dança da noite. A valsa da morte. Beijam se loucas as moiras algozes da literatura infernal dos sonhos que nunca irão acontecer, por falta de depois, por falta de vida. Era assim o anoitecer para esse jovem pálido e quase cadavérico, aos poucos sem brilho, e sem luar; era assim o seu despedir, era assim que sentava no almoço, com essa certeza inabalável da morte que lhe foi posta sobre a mesa, servida na entrada, fria, em frágil porcelana, em angustiado tempero de dúvidas e isolamentos.



Ali, nesse encontro, ela lhe tocava a pele da nuca, sem mesmo lhe encostar, servindo-se apenas de seu hálito quente, de sua respiração constante e infatigável, contínua, próxima, inevitável. Não há rendenção. Em seu sangue estava o novelo de hades, as unhas da foice, que como lúnulas agarradas estavam a cada um de seus dedos trêmulos e medrosos de tanto sentir. Assim seria essa última noite na plataforma do trem. Esperava um pouco mais, o fim da luz, brevemente esquecida no planar das últimas nuvens ilumindas por esse lívido dia. Esperava o entorno de coragem que viria com o rosnar dessa locomotiva faminta e irrefreável. Os trilhos da morte percorriam suas veias, e suas veias eram os trilhos da morte, análagos aos trilhos das tonelada de ferro movidos a carvão, cinzas que viajavam de estação à estação. Assim era o trem, cinzas e cinzas sendo dispensadas pelo ar. Assim era tudo, cinza e pó.

Fuligem de sonhos.

Uma despedida sem cura. Não há redenção. E se algum dia houvesse, não estaria ele ali para se render. A expectativa, atirada junto de seu corpo magro, foi a última a depor seu testamento. Sempre resta um resquício de esperança. Sempre resta uma incerteza. O maquinista dobrou seus olhos. As xícaras de porcelana belamente estavam postas para o próximo chá nos vagões da primeira classe. Um grito, uma lágrima. As xícaras todas se quebravam no chão.



Suicida,

Apavora a noite sem demora
Sem tempo de hora
Apavora o beijo homicida
Que Descora enfim,
O tempo dessa carne em mim
Pois fora meu irmão, fatricida
De hora em hora
Em resto dos beijos que devora
Em pele adormecida
Da vida que descora
De hora em hora
E o sangue apavora
Em dor desmerecida
Pois fora em meu sangue
Cruel dor desfalecida
Meu irmão fraternal
Em incesto de alma
Perdida por Amor fatricida
Que Apavora
A carne adormecida
De hora em hora
Com beijos Suicidas
Que a carne devora
Que o tempo descora
De tempo em tempo
De hora em hora

Em dor incessante, que cobra

Em altar infestado
De um cético que ora
Vista visita em seu tempo
De pavor fora de hora
Ei que ora, por Deus
Por ora, ora,
A carne em redenção
Por paixão desconhecida
Amor de meu irmão
Em pele suicida
Ei que por ora
Sente amanhecida
Em seu corpo
Eterna dor que lhe devora
A noite do amanhã
Que sem demora
Se apaga na carne envelhecida
Que arde sem hora
No resquício de vida

Adoecida

Que apavora
Apavora a noite sem demora
Em beijo suicida
Da carne que chora
E chora
No hoje sem amanhã
De dor sem hora,
Sem perdão

Pois Não há redenção

Não há mais hora

Pois entao, visto atroz
Perpétua punição
Descora enfim,
O tempo dessa carne
Que resta em mim
Que ainda chora,
No instante do agora
A pele adormecida
Para sempre em seu velório
De beijo homicida
De dor que lhe devora
Visto a paixão fatricida
Que beija o seu irmão
De carne sem tempo
De morte sem hora
Que também sem redenção
Chora, em noite esta
Que apavora,
Em silêncio sem fim
Dessa voz emudecida
Que triste canta em mim
Um réquiem homicida
Eterno final que nos devora
Pelo beijo suicida
Pela síndrome de uma sina
Pelo adeus de uma alma

Sui generis, Sui SIDA

Sem mais tempo de hora!
Que chora,
Chora..
E no calor da dor
desmerecida
Para sempre
Sui sida
Evapora!


fernando castro

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