terça-feira, 7 de dezembro de 2010

TEOaGONIA

Acordo, ainda me doe o peso das pálpebras. Sinto-me como um papel úmido em branco a um passo de desmanchar-se. O frio do despertar me toca os ossos. As notas distantes de um piano me tocam na espinha. E por minha medula, percorre o medo e o silêncio da palavra. O que se tem a dizer? Num mundo fantasma de sombras e futilidades, como ser científico e não prolixo? Como não ser redundante e  sim autêntico, no esgotamento da originalidade, onde tudo soa envelhecido, como o mofo que assola o armário, como a penumbra no esgoto? A vida lhe ultrapassa sem pedir licença. As pessoas fazem parte da vida. E você, faz parte do que? Morremos na tentativa de decifrar o mundo, que em última análise, é a tentativa de decifrar a si próprio, e não perecer na mediocridade do banal, do ser comum sem iniciativa. Tantas ferramentas postas na garagem, o que fazer com elas? Será mesmo útil, será mais do que egoísmo? Nenhuma filosofia parece fazer sentido, nem mesmo o ceticismo. Porém, difícil é acreditar em qualquer coisa. Difícil é aceitar que se tem que acreditar, como um remédio para dor de cabeça, elegemos um ídolo para não ficar vazio o altar, mesmo que esse ídolo seja você mesmo, quando o terror do Narciso é que após ler sua própria história ele se depara com a ciência do seu afogamento iminente, e com a impotência ante o nada que poderá ser feito. O tempo de fato parece existir apenas na pele, o retrado de Dorian na calvície dos dias, e na paralisia dos músculos das pernas. A língua se cala e não beija mais. O silêncio abate a voz da dança, e o sangue evapora como orvalho esquecido na manhã, soterrado pela emancipação da aurora. Carne e pensamento apodrecendo dentro de um corpo transfigurado em uma jaula. O escravo se alimenta de ordens, e o senhor, será que se basta alimentando-se de escravos? Será que sua perspicácia infalível não o iguala ao mesmo escravo dolente ao chicote e mudo em sorriso e desejo?


Rasgo a cortina de meu quarto e arremesso o relógio no chão. Fecho a janela para o mundo não entrar, mas seus tentáculos passam pela fresta da porta. Sua escuridão aparece ao meio dia, na visão perturbadora do mundo cotidiano, em uma cena cotidiana, num cruzamento cotidiano. Um poste de ferro segura uma caixa preta com luzes que se intercalam, e determinam o movimento de automóveis, pressupondo-se absorvido o sentido preconcebido para essa palavra. Auto-móvel. Automovente. Auto funcional. Um transporte ou um assassino? Um amontoado de metal, de tinta e tecido, e combustão, sobre a mesma idéia milenar repetida a exaustão chamada roda, uma simples roda da pré-história e de borracha move o mundo, chamada pneumático, vulgarmente conhecido em sua forma abreviada, curta: pneu! Encurtamos tudo para facilitar a vida, inclusive a morte, quanto mais as palavras. Em breve não existirá mais vogais, nem eu nem vc, mto em breve tdo desaparecerá na ansiedade de se facilitar as coisas. Ficará fácil demais, não precisaremos nem nascer, quanto mais morrer!

Um pássaro grita no fundo, e atira no imaginário a sensação de um pântano fantasmagórico no meio da cidade infernal. O eco do caos em cada freada de ônibus sob pressão. Na lotação do silêncio, ficamos sufocados de tanto dizer nada que de fato importa, nada que não seja uma migalha para os pombos infectados, uma piada; e para as galinhas fáceis e fabricadas para serem servidas na hora do almoço. Um frango frito, desmanchando-se na boca todo o sabor plástico do supermercado. Não existe mais tempero. Engolimos o mesmo sabor, o mesmo esperma, a mesma angústia de ter que se engolir algo para não sufocar. E as pessoas ainda se casam e têm filhos. Por incrível que pareça, mesmo com todos os bueiros destampados, a humanidade consegue se proliferar. Gafanhotos e bebês juntos na maternidade do mundo. Não damos conta de limpar nossas fezes, e continuamos defecando dentro do quarto, na suíte presidencial do desespero, matrimonial do suicídio, e liberal do capitalismo moderno. Pelo menos ainda nos resta um pingo de dignidade, e de intimidade, já que por enquanto as casas ainda não são fabricadas com câmeras nos quartos. Podemos urinar nas paredes e ninguém ficará sabendo. Podemos até mesmo engolir urina sem avisar ninguém. Fantástico! Deveríamos fazer isso mais vezes, certamente sentiríamos mais o gosto da vida e sua mudança do que quando saímos de casa para votar. O gosto seguramente será menos plástico do que a lasanha congelada no inferno de um freezer. O sabor de líquido quente escorrendo pela garganta e se dirigindo para as nossas entranhas. Daí a Cesar o que é de César! Venha a nós o nosso próprio reino. Na nossa sacristia pessoal inventamos o nosso próprio vinho, Chateau Margaux, e devoramos nosso próprio Penteu, la merd, vive la merd, c’est tout ce qu'il y a! Realmente sempre foi muito mais fácil engolir os líquidos do que os sólidos. Não precisamos gastar tanta energia. Não precisamos fazer muito esforço em um mundo que abrevia as dificuldades. Não precisamos mastigar. A fumaça também é fácil de engolir, mesmo com as pessoas morrendo de câncer, a fumaça continua sendo fumaça, entre os dedos, no cigarro, entre os ossos, no crematório. No crematório divino que é a vida, para onde vamos depois de incinerados? Para onde vai a fumaça que caminha em direção ao céu? Talvez as lagostas também serão extintas, como os dinossauros. Talvez sobre apenas o sabor artificial dos crustáceos, e do homem que caçava lagostas. Será como um sonho, e Hesíodo não fará mais sentido fora dele. O homem será o único mito intacto, porém, depois da fissão de seu próprio átomo, quem restará para contar sua história?
O que sobra além do amor quando estamos acordados? Será que no indigitado altar cabe qualquer outra coisa que não ele?



O que sou Eu?

Invalidado pela incontinuidade do amanhã
Sabido não eterno em corpo de criança crescida
Uma Rosa que o tempo prometeu
No seu esplendor,
Envelheceu!
Esse sou Eu
E um pouco mais
De fome de dias que não voltam
De um tempo deixado para trás
Junto a ânsia das horas que faltam
Para um pouco mais
Experimentando do novo indiferença
No ausente eternizado pelo imaterial
Sou o físico se desmanchando
O pedaço de pétala de um sonho mortal
Acordado antes mesmo da noite acabar
Pelo ponteiro parado sem tempo
De vida, envelheceu
Enforcado no carrilhão das almas
Devir no amanhã sem hora
Esse sou Eu
Tempo que envelheceu
No ontem do agora
Esse sou Eu
Infinitamente
Resfriado pelo gelo
De um único fio de cabelo
Sustentando meu tempo
Que chovendo lá fora,
Se perdeu!


Fernando Castro


Boa noite,
Para todos os anjos que me cercam,
e para todos os sonhos que me aguardam!

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