sábado, 18 de dezembro de 2010

(Caligu) Lua

Eu sou como a Lua, perversa na silente camada que encobre o céu, sou dissimulada e invisível em minha totalidade, e ao mesmo tempo, brilhante em tudo que mostro para cada par de olhos que para sempre obrigados estão a me enxergar…

...a sentir o perfume de minha luz, esparramado pelas incontáveis fendas da escuridão na Terra, pelas trevas interiores dos seres que ainda se rastejam em busca de compaixão, de auto piedade, de uma mísera faísca de prazer que nada significa ante o espelho incontestável da solidão de uma velhice que rasga a carne, inexorável, e inunda os dias com a banalidade mais atroz cabível dentro dos repetidos gestos de desespero!

Sim,

Silente e intocável, como um piano fantasma flutuado nas espumas do oceano. As brumas do tempo congelado num mar de pedras e remorsos, e amores naufragados no abismo do desejo...

Sou secreto e intolerável, e mesmo assim, sondado eternamente pelas presas canibais da ignorância primata do instinto, da cegueira no palácio dos odores de tintas e cores impenetráveis,,,

Para que serve a loucura, senão para diluir a dose atroz de realidade advinda com a reflexão? Para que serve o vinho senão para manchar os lábio e calar a boca do outro que exibe a piada fracassada de sua própria existência?

Ébrio e intolerável, caminho vacilante no equilíbrio, porém, com toda certeza devastadora de não precisar de seus olhos para enxergar... de suas mãos trêmulas ante a ameaça de perder um flash na capa de revista mais vendável, na revista de um pente fino numa amizade oculta por uma seda negra que encobre o delírio, a perversão, e a vontade pura de aniquilamento,,,

Descontrolado ao ponto de evidenciar a loucura desinteressada do amor, e ser julgado por isso pelas chamas ardentes de uma fogueira transformada em peste, no câncer social de devorar aquilo que denuncia a falta de brilho e coragem, o próprio reflexo da ingratidão nata para aqueles que mais que a mão, estendem o coração sem pedir o sangue de volta...

Não existe propósito no incondicional, não existe condição quando se de fato é...

As taças permanecem para sempre cheias, transbordando no vazio habitado de um bar...

Os cigarros eternamente acesos, apagando as mãos que com tanta ansiedade tragam a própria alma disfarçada de fumaça...

Sinto o silêncio de uma noite perdida no espaço,

Sinto a mim mesmo na dificuldade da vida...

Sou a dor da transformação, e a aceitação da crucial distância que sempre existirá entre um e outro, independentemente do jogo e das cartas, todos perdem num vínculo sem memórias, num banho de sangue, onde o aparentemente mais fraco serve a todos que acreditam serem fortes, mas que no esquecimento, utilizam a ironia para não rir da deficiência em comum, do total e absoluto desamparo, do homem e sua insegurança...

Sou como a Lua, que revela as imperfeições sem pedir licença, que bebe das águas dos mares sem encostar, e que não cobra nada pra enfeitar o céu, para insinuar o mistério e a poesia, e para seduzir tudo aquilo que se permite um instante verdadeiro de paixão...

Para que temer o absoluto?  Para que refrear o inevitável, e dizer não quando todos os poros são preenchidos pelo bruto querer... pela flor infinita do romance perpétuo?

No perfume da noite respiro a solidão de um astro, e perdido no ponto certo de um universo, sinto a dor e o prazer de ser uma única galáxia, uma estrela que se multiplica diante de um olhar de cortesia, que brilha quando encontra o sincero, e na oportunidade dos desfiladeiros do dia, depara-se com um abraço que é de verdade uma ponte....

E mesmo na moderna extinção do homem essencial, ainda respiro o seu cheiro, e incontestável, caminho em seu percalço, mesmo no sensorial do automático incômodo causado, dou inalterado meu gesto e minha atenção, e como todas as outras luas que já morreram, resistirei a viral hipocrisia do reconhecimento até o ultimo instante, nem que para isso, tenha que ser a única lua no espetáculo do céu!

E depois dela, nasceu o Sol!



Fernando Castro

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