segunda-feira, 29 de março de 2010

Crianças de CARVÃO

Quantos mais de nós teremos que morrer em vida, todos os dias como um cão, para que os nossos próprios olhos possam se preocupar com o que acontece em nossa volta? Quantas senzalas urbanas terão que gerar seus filhos de fábrica, e suas lástimas subumanas, para que nossas mãos passem a denunciar, seja com murros, seja com a pena? Quanto mais de vida terá que ser açoitada por chicotes do terceiro milênio, para que seja imposta pena? Porque enquanto dormimos quentes em travesseiros de refinada pena, os escravos nossos vizinhos apodrecem de exaustão em gaiolas de lixo e subnutrição, não muito distantes de nossos queridos bairros verdes e potáveis!

Recentemente recebi a notícia de existirem no bairro do Brás, trabalhadores aliciados da Bolívia, que como suínos são mantidos em labuta infernal, num chiqueiro eterno, em jornadas que se estendem para além das 18 horas diárias, em condições que nos remetem às monstruosidades das galés, regados a pingos escassos de água, e com direito a única refeição, cuja aparência preferi manter distante de minha imaginação!

Também junto a esse absurdo, foi sugerido as imagens dos escravos da cana, pouco mais no interior de São Paulo, onde as criaturas ganham quase 10 centavos de real por tonelada de cana carregada, e ainda são intimados e vexados quando parte do dedo se desprende da mão, visto a fúria do incessante facão, devorador de mato, faminto cortador do combustível vermelho que colocamos em nossos automóveis movidos a sangue humano! Da cana também se desprende farpas, que por vezes os atingem nos olhos, e os cegam, e mesmo assim, a labuta continua, sob ameaças, sob terror, sob o medo da fome eterna, e dos filhos que urgem nas noites errantes por um pedaço de pão, por um gole de leite!

Juntos a essas visões, também as crianças que nada entendem vieram negras e sujas pelo carvão, nas minas espalhadas pelo Pará, que como formigueiros humanos e fornalhas de um inferno mais real do que as fogueiras da Inquisição, se multiplicam e se mantém intocáveis em suas terras minadas de horror e cercadas pela vista grossa e viciada de políticos e autoridades, que no mínimo, melhores travesseiros devem ganhar oriundos desse estupro infantil, para dormirem com seus filhos intactos, e acordarem com os mesmos sorrindo na mesa do café da manha!

Crianças estupradas pelos capatazes boçais, rudes monstros do esgoto, choram sem saber o que são lágrimas, e vivem sem saber o que é sorrir, e crescer, e morrer adultas, pois quando meninos já mortos, como farão para morrer de novo? Como farão para envelhecer, e ter filhos, gerados não pelo sêmen de um bastardo gigante, que pela força arranca dessas crianças não só a carne e a pele morta pela devassidão do trabalho escravo, mas estraçalham seus ventres, e germinam o diabo dentro dessas impossibilidades de afeto, nas entranhas de uma alma abandonada pela Lei, pelo Ministério Público, pela Sociedade!

As crianças das minas, os pais da cana, e os estrangeiros da fábrica. As três anunciações me foram dadas aos golpes de frases afiadas como machados, que cortam em nós um pedaço do homem que foi treinado para não sentir mais, para não se importar mais, para ler nos jornais notícias eventuais do absurdo, e com a insensibilidade instigada por uma certa certeza da impotência que gera o tanto faz, vira a página, e passa indiscriminadamente a sentir nada de novo ante o próximo assassinato, e aos poucos, nessas páginas de sangue nos jornais, vamos sujando nossas mãos, e as tornando a cada dia mais pretas, o mesmo preto dos rostos sem expressão das meninas do carvão vai tingindo nossa inocência civilizada, trazendo para nossos olhos a mesma treva dos meninos da solidão, que nos mata aos poucos, e nos torna também escravos do medo e da consciência tirana, com a diferença de que para nós mesmos, no fundo, devido a perspicácia instintiva e natural que revela nossa apatia e inércia, nossa fática covardia, não poderemos nunca mais nessa vida implorar por perdão!



fernando castro.....................18.03.2010.....depois de uma aula de Direito Processual do Trabalho!!!

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