Num belo dia, raiado na serra,
em alguma colina,
Do sol agudo e seu raiar do meio dia,
Escuta-se um pouco sério,
abaixo do céu
E seu mistério,
uma alma aturdida,
A chorar sem fim,
entregue a ira e a vitupérios,
Nos confins solitários
de um esquecido cemitério!
Como esquecer?
Quando no meio dos prantos,
Espalhados ao vento
Qual brisa outonal,
Iludia-se um canto
Onde voz imortal
De célebre encanto
Em alma penada,
Surgia da terra,
em natural florescer
Uma alma rosada
Para se nunca esquecer!
“Oh alma minha de tudo rosada
Qual teor de tuas lágrimas,
Em pétalas de dor
Nos olhos desabrochada
Para sempre chorada
Uma pétala de amor?
Qual teor...
Alma sofrida,
Por uma pétala desalmada
Dessa casa de lágrimas?
Dessa casa rosada?”
Foi então, quando de súbito,
No frescor matinal,
desses ares do campo,
lividez de um dia,
após noite em temporal,
que da terra serena
pela chuva umedecida,
brotou uma muda terrena,
frente a alma entristecida,
de tudo formosa,
bela e macia,
uma singela delicada rosa
cheia de vida e poesia!
Pois a alma em tormento,
entregue as brumas silvestres
e aos tristes lamentos,
agonia feroz
de atroz sofrimento,
Abandonou seu relento,
E Por um momento,
seu pranto
Estancou,
E no vento deixou
Os males reais
De que tanto chorou,
A alma vidrou,
Com a súbita aparição,
Que ao seus olhos falava
Em total comunhão,
Esquecidos de tempo,
Aliviados da dor,
Não entendia como não haveria
De haver
algum mau sentimento
E nenhum sofrimento, na inigualável
Beleza daquela única flor!
E para surpresa geral,
Daqueles além da lápide
E seu umbral,
De tudo florida,
E com voz maternal
Pronunciava a rosa palavras
À alma aturdida
Ante a flor silenciosa,
Pois se ouvia um bom dia,
Lhe dado pela rosa!
Que sorria, sorria!
A flor lhe crescia,
E do distante impossível
Com vida lhe surgia
À alma desolada,
Que atônita escutava
As palavras rosadas,
Dessa flor que falava!
E mais do que falar,
A rosa perguntava,
E esperava uma resposta,
Dessa alma disposta
A escutar com tremor
uma flor que dizia:
Bom dia, bom dia!
A alma questionada,
Agora mais fria
Um tanto precipitada
No desconsolo que esvazia,
Simplesmente enrijecida,
Não sabia o que dizer,
Se calava ou se fugia,
Não sabia responder
Aquele simples bom dia!
Estava, entanto, menos só,
Com a flor em companhia,
Mas ainda em seu íntimo
Algo de ruim lhe fremia
Não sabia, não sabia
Se era medo ou agonia,
Estava distorcido
Os sentidos do aprendido,
Não sabia se vivia,
Ou se era pura fantasia,
A alma desolada
Por um corpo que sumia
E ao mesmo tempo
Indagada
Por uma flor que perguntava
Lhe sorrindo de vermelho
Um desejo que sentia
As palavras colossais
Que lhe diziam
Nada mais do que:
Bom dia!
No âmago tremia,
Já esquecida do pranto,
Absorta pela flor
Que tudo lhe dizia
Para além de sua dor,
Estava ante tal demonstração
Do improvável e absoluto
Que não lhe dava compreensão
Para entender o que fazia
Numa terra tão vistosa
E aclarada ao meio dia
Uma perfeita e bela rosa
Que falava, E que sorria...
Efeito que paralisava
Essa alma inconformada
De lúgubre canto abandonado
Para viver um paradoxo
De tão muda voz complexa
À pobre alma tão perplexa
Que como autômato respondia:
Bom dia, bom dia!
Assim percebida, pela rosa que lhe acolhia
Um tanto desolada, pelas dúvidas
Transfigurada, resolveu esclarecer
E à rosa perguntar, para por fim em seus males,
Para sua angústia dissipar!
“Estou em prantos atirada, e em ansiedades
Cuja força é impossível de evitar,
a pouco perdi um corpo,
em tragédia que não posso aceitar;
de tudo vi em vida, mas os beijos homicidas,
de um amor eternizado,
é algo que transpiro em meu passado:
como posso da noite para o dia assim me conformar?”
E a rosa implacável, de uma beleza
Admirável, em sua altivez permanecia,
Irrevogável, e sem esforço,
em bom tom lhe dizia
as mesmas palavras
que lhe tiravam a calmaria:
Bom dia, bom dia!
Pois então, visto insistência memorável,
a alma estremecida,
Sentindo-se acuada,
ou pela rosa debochada,
Viu se revoltada, e por completo
Indignada,
Viu-se estridente,com raiva
num sangue que não tinha,
Com certa taquicardia,
Em coração que não existia,
E num salto fremente,
Saltou da pedra que sentava
Ao todo incontinente,
Impetuosa e valente,
E aos pés da formosa rosa se prostrava
Ao talo de uma rosa que sorria!
“Oh rosa bem ou mau amada, da legião dos ínferos substratos,
ou pelos anjos aclamada, vinda da casa dos infernos ou de angélica casa rosada,
vieste até minha solidão e com tuas pétalas falantes a perturbar,
pois então, exijo que fales, e que não venhas com tua ironia me açoitar:
após o relato dos ocorridos fatos, cicatrizados sem tempo em mim,
descosturando o corpo para sempre perdido, venha revelar,
com teu perfume ou teu espinho, como posso eu, desprovido de vida e sozinho,
em outro mundo me conformar?”
E a rosa, impassível,
Ao plexo solar,
Tão incólume e irresistível,
Espraiada sem as sombras,
que lhe impedem de amar!
Aveludada pela luz,
Mantém-se incoercível,
Orgulhosa de estar só,
Abstêmia da compaixão,
Intocada pela dó,
Vem irreversível,
Com seu lábio vermelho
E invisível,
Dizer o absoluto,
Falar o indizível,
Nunca dito por uma flor,
Que sem culpa e sem dor
Esqueceu da ironia,
Para responder à essa alma
O que tanto lhe aturdia
E a rosa disse nada mais do que
Bom dia, bom dia!
“Oh mortal ser infernal,
que em terreno sepulcral vinde a meus domínios
para odiar-me em quanto tal, quanto a um ser nunca mais carnal,
te amaldiçôo e lhe condeno a ser infeliz,
lhe furtando a luz desse sol, lhe extirpando a raiz.
Se não és interesseira de teu infortúnio aproximar,
pela vez derradeira, te obrigo a falar, mortal aparição,
como hei de me conformar diante de tão desumana sangria?”
E a rosa disse:
Bom dia, bom dia!
E a alma então possessa,
De um fulgor desesperado,
Pelo ódio de tantos dias,
em seu vigor acumulado,
se viu mais do que de pressa
agindo em homicídio,
numa emoção calorosa
sem refletir ou pensar
dizendo a bela rosa
que brilhava de alegria,
a rosa do amor
que ao seu lado
sorria, sorria:
“Basta ser cruel,
Indomado e matreiro,
Vou por fim a idolatria,
Já que te disse,
Sem receios,
que assim o faria”
Foi assim que de repente,
quando o talo lhe partia,
dos céus calados e infinitos
o Satúrnio raio aparecia
ante estrondo temeroso
que em todos os cantos da terra
sem esforço se ouvia!
O que era claro virou treva,
Nada mais ali luzia,
Partida a rosa tão amada
Tamanha fúria incontida
Pétalas de amor despedaçadas,
fadada a alma pelos anjos
A nunca mais dizer bom dia!
Se uma rosa desabrochada
Em vida não fala,
Uma alma do corpo fora,
Tampouco em morte chora,
Lamentos de dor
Seqüelas de amor
Que lhe apunhalaram o coração
Pobre alma desalmada
Trancada nas trevas
Em absoluta escuridão
Nada mais lhe tocava
Nada mais sentiria
Uma pobre alma rosada
Que nunca mais veria
A clara luz do dia!
Nunca mais amorosa
Teria ao seu lado
Feliz e infinita rosa,
Que sorria, sorria
E eternamente lhe diria
Querida Alma minha
Bom dia, bom dia!
...e foi assim,
que a alma virou o corvo!
fernando castro 20.03.10......
:)
ResponderExcluirliberte novamente o lado erudito e libertino na intelectualidade!
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