sexta-feira, 24 de setembro de 2010

overdrive distortion

Desce a noite com a tempestade nos olhos, desce o pranto com a sinfonia dos anjos negros em luto branco, em pedaços de folhas desgarradas das seringueiras mutiladas, do choro na serra, encharcada por toda a agonia que pode caber numa lágrima de arrependimento.

Os fantasmas acorrentados no irreversível flutuam pálidos na floresta dos dias tragados de noite, de claridade que se desmancha ao ser seduzida pelo perfume da escuridão.

As penalidades se amontoam logo após a curva, e o freio gasto grita de medo e saudades. Medo de capotar, saudades de casa. Para onde foram os anjos coroados de compreensão e humanidade? Para onde as conseqüências do não proposital poderá conduzir de propósito as sobras da carcaça? Faminto o coro de abutres delicia-se com a inevitabilidade dos erros; mesto, o bando hipócrita de hienas sanguinárias se regojizam com a conclusão dos fatos!

Como atingir o perdao num jardim paranormal de regras e condutas irrepreensíveis? Como escrever a perfeição com as mãos atadas de Tântalo dependurado, ante a ceia homicida que todas as noites a cozinheira nos serve na sala de jantar?

Estamos todos envenenados, e o problema da cura só seria solução se estivesse em pouso de outras mãos, se estivesse sido descoberta por quem de fato enxerga a vida como um meio de sermos, e não um fim para se ser.

Dos heróis restaram apenas as arcadas dentárias, e daqueles que não tinham os dentes de ouro.

De todos os sonhos sobraram apenas um padrão, e infinitos pesadelos emoldurando os tantos diplomas das tantas carreiras possíveis.

Uma única carreira lhe traz a destruição.

Um único pássaro é necessário para transformar a festa em funeral.

Os anjos continuam chorando de impotência, agachados no canto do sótão, recolhendo os restos das penas que lhe sobraram das asas. Ícaro repaginado! Em todas as gerações na entrelinha da queda, no início, e profundamente no abismo, no final.

Suspiro, e ainda vejo o sorriso ardente do guarda lhe desejando boa sorte, e a mentira no batom dos lábios... Simples vontade de lhe igualar na mesma mesquinha mediocridade insuportável. Um simples prazer no complexo sadismo de lhe ver chorar e, no pranto, reconhecer o fracasso que para sua infelicidade, estará sempre estampado na lógica do entorno do julgador, e nunca na cara de um nobre coração, porém irremediavelmente condenado.

O espírito carrasco poderá sempre estar por de trás de qualquer espelho, e só depende da forma que se enxerga o que nele se reflete para poder sair do lado negro da lua, e brilhar absoluto e cheio no céu.

Essa noite a chuva traz pétalas de flores despedaçadas. A lua canta melancolia e punição, fazendo das serenatas de um luau a masmorra de um submundo de castigo. As vozes calam a melodia da felicidade e mudas, anunciam todo o pavor do grito que a dor de uma metamorfose pode causar.

Essa noite a taça de champanhe permanecerá vazia, em silêncio na indiferença do armário. E a fantasia, permanece pendurada no cabide da paciência para o amanhã.

Mas acima de todas as lágrimas, certamente,

O relógio não para de dançar!!!

 
Fernando Castro

Ex-ILION

Exílio,
Mutilado os olhos com pequenas verdades que muito dizem,
Prossegue desgarrado,
No entanto, firme
Avante no mistério de si mesmo
Sem méritos veneráveis,
Mas também,
Tampouco com moralidades insondáveis,
Pois dos valores inquestionáveis fez calor na experiência
Em combustão as certezas inflamáveis,
Facilmente permeáveis pelo sabor das mutações, pelas novas perspectivas que mudam as cortinas da sala da vida, ora fora de moda, ora fora do tempo que simplesmente as devora, e nos torna de nós mesmos homicidas...

Um pai sofre por seu filho numa poltrona do cotidiano de um dia comum
Um sonho já quebrado pela raiz
Projeto impossível que lhe deu esteio,
Resultado perfeito, porém invisível,
Que fez um sonhador acordado dormindo em seu meio
Resultado é para aquele que sente a dor do insensível
E rasga o infortúnio em pedaços
E sofre sorrindo
No desconforto do seu próprio exílio
E ainda por cima,
Morre assistindo
A felicidade do causador do seu extermínio.

Estamos condenados a não dizer mais nada
Matamos por um gole de água,
Importada,
Exilada,
Mentimos por uma piada,
Torpe, desgraçada,
E condenamos somente para nos dar razão,
Sentindo que somos mais do que aqueles que dizemos que não são
Mas no fundo sabemos de cor
A decoração do porão
Sabemos o nome do rato que mora em baixo do chão que habita os nossos pés
E daquele que ignoramos
Porque lava os pratos, e nos enxuga as mãos
Nos fazendo do mundo um idílio
Sim meu querido,
No fundo sabemos, e morremos de tanto no fundo saber
O que dentro de nós
Nos condena ao exílio!

 
 
Fernando Castro

segunda-feira, 20 de setembro de 2010

Amigo,

Nada como um novo dia, e desta forma, posso desejar o recomeço no simples,

Desejo a proximidade, o encontro,

Penso o quanto demora para se confiar, e o quanto treinado estamos para sentir medo,

Vivo a saudades de tudo que ainda sei que poderei viver, justamente por já ter vivido um pedaço que me faz desejar o vínculo, o reencontro, o amanhã!

Que esse dia seja mais uma vez uma vitória, e que nosso olhar possa mais uma vez enxergar a beleza das coisas alojadas no tempo que enfeita o espaço, ou no espaço que decora o tempo... naqueles olhos que nos enxergam de volta!

Desejo felicidade e alegria em cada instante de ação, ,, poder imenso da não solidão, quando se faz parte da outra pessoa, e quando se existe fora dos próprios limites da própria carne; e na inação, desejo paz e entendimento, desejo gesto e acolhimento, desejo compreensão!

Desejo sentir seu pensamento vibrando em meu coração, onde cada pulsão se apodera da certeza do seu cuidado, e do carinho para além da pele que guia nossos dias de amizade nesse tráfego de ausências presenciais...

Não posso lhe ter todos os momentos ao meu lado, apesar de brindar meus minutos com sua alquimia imaterial, com o que há de etéreo em seu onipresente olhar, com cada bater de asas das borboletas das nossas lembranças, amarelas, singelas, perfeitas!

Cada defeito da nossa história a coroa com ainda mais perfeição

Não há limites para multiplicar o amor, não há fim para o absoluto, não há morte para a eternidade!

Pois em cada respiração ao teu lado sinto a onipotência da vida, a tensão confortável da intensidade, o prazer incondicional do desejo.... vivo a violência de querer você em mim, e o desespero de algum dia, definitivamente, ter que lhe dizer adeus!

Um maravilhoso dia, e uma semana sem igual,,,

Para quem amo



Fernando

sábado, 18 de setembro de 2010

to my angel...

In the love of stars,
I’m listening your voice as hell
As long those angels don’t fall,
I listen to the words you love,
But you can not tell…
You can’t tell how bad I know you cry
How badly I feel it when you live me awake
Just to hide,
The love you feel like a fearful lie
The wing you do not fly
And behind my lips,
Those burning kisses
You say with the eye
But pretend you do not like!!
So,
Don’t you ever again leave me lonely
Babe
in the darkness of the morning,
In the loneliness of the sky!



Yours..4ever



Fc..

quinta-feira, 16 de setembro de 2010

Senhor Desejo

Senhor Desejo, o que fazes de mim?

Brutalidade alça meu embotado querer, o pensamento é fixo,

Sou crucifixo de osso e músculo sem razão,

Sem tempo de parar para pensar o que é bom, o que é risco

Sou alma sem governo no labirinto desse desejo infernal

Da carne que me ultraja e vomita carne, e me cospe na cara o gosto animal...do sangue, do feto!

Sou olho que não pisca, e corpo que vela por um corpo, qualquer, que seja corpo, que seja vivo!

Sou porco e selvagem, sou rosa e espinho, sou um grito escatológico na madrugada,

Cheiro de homem em pele de enxofre, em fuligem de eucalipto e vapor, sou a dor da transpiração numa carne podre sem alma, escurecida na noite de uma orgia sem redenção,

Vida do infecto, sou volúvel e proliferação, sou amargo e inseto, e campo minado no perigo de contaminação irreversível, sou doce contágio e alegre perversão...Por onde anda esse meu corpo com a alma na coleira? Por onde anda meus gostos no meio de tanta sujeira lubrificável? Aonde vou com o desejo a flor da pele, com a flor na pele, com o botão sangrando por mais uma poda?

Queria estar cego para não escrever as palavras da minha história, para não ler as letras do vício que me arrasta ao abismo, e me dependura feito um bode em sacrifício de lua cheia de gozo e histeria! Quem dera estar surdo para poupar-me dos uivos e gemidos do clandestino ritual, do sabor que me conduz a vida em todas as suas formas de representação!

Senhor Desejo, o que fezes de mim?

Ao ponto que és minha religião, e todos os homens que me cercam....

Sou livre de todo resto, mas em ti, servidão bendita, sou aprendiz da escravidão!

Por ti, eu rezo.

Em nome do pai, dos filhos e do espírito santo,

Amém!!!




fernando castro

para se lembrar de esquecer

a mesma luta e a mesma sensaçao de derrota,,, como se os dias devorassem o tempo que nos resta para fazer alguma coisa,,,como se precisássemos fazer... como se a vida nao fosse significar mais nada, se nao devolvessemos pra ela a indignaçao ante o seu absurdo, ante o inexplicável, ante a facilidade de se conformar com a fatalidade do nosso próximo que, certamente, nos abandonará... como se nao nos perdoássemos por sermos feitos para tão facilmente parar de chorar...!


Levantou com a cara inchada,
As mesmas desculpas...
Não lembra de nada,
Dos gritos na fumaça
Dos beijos e dos tapas,
a boca cortada
no desejo da taça...
no cinto que escapa...
não lembra de nada
nem do fogo na cortina
ou da polícia na esquina...
não lembra ou não fala
esse olhar cego na retina
que não cala, não cala
o pavor desse mundo
em goles de lucidez
o retrato imundo
de sua altiva pequenez
não lembra e não fala
ou lembra e se cala
na covarde bebedeira
queimando seus olhos
com lagrimas de solidão
amarga fogueira
que queima seus dias
sua carne é lenha
que não lembra de nada
e que se enterra sem alegria
na loucura de suas mãos!!


As mesmas desculpas,,
Não lembra, não fala!
Levantou com a cara inchada...
Não se lembra de mais nada!

 
fecastro

domingo, 12 de setembro de 2010

A CASA

Nem uma folha mais para rasgar, nem sequer uma lágrima para borrar as páginas com as conseqüências dessa loucura infatigável, desse querer que ultrapassa qualquer limite, qualquer mínimo senso de noção. Assim estava a casa depois de uma semana, sem torneiras para chorarem as desgraças sanitárias, sem carpete para assolar em consolo os pés degenerados transitáveis, as botas enlameadas de chuva ácida e pó, e na cara, a maquiagem que se desfazia em lama, não mais era refletida para o próprio desprazer dos olhos, pois a casa também já não tinha mais espelhos. Apenas cacos, e restos de possibilidades que se desmancharam pelos quatro cômodos, acomodados pelo desencomodo constante desse querer insaciável, da vontade que não basta, e do fundo que se penetra cada vez mais em si mesmo. Já não se enchiam mais os copos, depósito dos pecados mastigados ao longo daqueles dias, e nas bordas, transbordavam-se vestígios de batom e esperma, de segredos e ansiedades, de toxinas temporárias que se desmancham ao tempo como os amores volúveis se desfazem numa única noite de orgia e paixão. Os cinzeiros transbordavam, e não havia mais espaço, não havia mais espaço para se respirar sem infecção, sem castigo, sem a substância do medo entranhada em cada molécula daquelas paredes degeneradas, contaminadas pelo excesso da insatisfação humana. Até mesmo a eletricidade havia sido infectada, e não havia mais energia. E se desfez a luz, e se desfez a energia, a trava de segurança... se desfizeram portas e janelas, e a fechadura estava lacrada para não mais entrarem amigos ou inimigos, nada mais entraria ali. O silêncio era o absoluto, e o vazio, intolerável.

Uma casa de mortos e bandeiras etnicamente ao acaso enfileiradas em seus campos,

Recordações de um amanhã sem personagem, de um andaime sem sustentação de ferro e oxidado pelos infinitos dentes que os vermes dos dias podem conter,

Rasga-se a carne com química de laboratórios clandestinos, e ao mesmo tempo, espalha-se a doença num banquete onde todos já estão infectados,,, o corpo de cristo virulento que devolveu a peste para Lázaro, e o fetiche dos meninos estuprados na cruz, amarrados com as faixas de pano cigano, perfurados com espinhos de rosas colombianas e virgens, rosas da morte!!!

Era esse o quadro do póstumo quintal, após as inúmeras deflorações da fauna humana, e das trocas lascivas das salivas bárbaras e decadentes dos hospedeiros do indecoroso prazer atemporal, do calor sem temperatura, do termômetro de sangue e mercúrio, onde os graus se medem pelo desnível de sofrimento e paranóia estabelecido no interior desse vício, algazarra sem fim, final sem história, onde o resultado sempre gera o início de mais esforço para se livrar da dor....

De que forma permanecer na razão, de que jeito sublimar o impossível passado enterrado no terror da memória, algoz insondável e carrasco da auto-estima do seu inevitável amanhã? O estômago continua ardendo pela fome de mais fumaça cristalizada, juntamente com suas paredes ulceradas que choram por um momento íntimo de descanso e paz, fazendo de todo o complexo, essa eterna contradição pulsante de se estar vivo, da forma que se reconhece a vida, do modo padronizado e costumeiro, gaiola de servos e deuses, de que se é viver! Deuses do inferno que se escondem debaixo da pia, por que não sugaram meus sentidos pelo ralo? Por que não engoliram meus dedos no triturador de lixo instalado em todas as cozinhas, e fizeram de meus pesadelos pedaços de noz para se misturar junto a farinha de trigo e ao cal do cimento que ergue os moldes da nossa rotina? Das nossas desculpas para se interessar pelas coisas, como se de fato, fosse algo que realmente pudesse valer a pena, algo que mais do que uma distração, pudesse permanecer concreto nessa eternidade de vento e poeira, de imagens desmanchadas com o balançar das águas do Letes...

Um feixe de luz penetrava a sala escurecida pelo natural vacilo da persiana que ainda sobrevivia e mantinha-se sentinela compacta e exemplar ante as possibilidades de interferência naquela treva de meio dia, onde apenas alguns insetos zuniam, e até mesmo as baterias alimentadoras dos ritmos do antes de ontem haviam desistido de insistir na sobrevivência sem ar, e já haviam doado até a última gota d’água radioativa para transformar a ausência em movimento e vida. Bastava apena um feixe para contrastar os medos com os ácaros do ar viciado, e o mofo daquela sala sem esperança, sem continuidade, sem barulhos. Os móveis mais imóveis do que nunca, e os agora imóveis, nunca mais voltariam a andar. A morte era mais um pedaço de cimento e parede dry wall, onde o enterro se transformava em praticidade de gesto e solução, uma vez que não seria feito em alvenaria, em ritual, em significado, exatamente como aquelas paredes, levantadas com os beijos do vento, e derrubadas apenas com uma inadvertida cuspida deste senhor das tempestades.

Como os amantes se permitiram subtrair a vida daquela forma? Como aquela casa ainda se manteria em pé, tendo sido devorada pelos alicerces através do poder que a confiança pode dar à traição? Ingenuidade e compulsão pela vida substanciam o substrato da tragédia.

Os refrigeradores ainda estavam completos de sobras de poentes sem sol, congelando copos e líquidos e restos de alimentos condenados a putrefação, detritos do nunca mais engendrados num intestino estripado para fora do corpo, dependurado ao longo da banheira de fórmica e perfeição técnica, prometida para todos os prazeres da terra, e revelada como o portal para todos os desgostos do submundo. Um intestino redecorava o banheiro, e um corpo nadava aos pedaços no amar vermelho da auto-destruição, para nunca mais voltar sequer experimentar o quanto de sal cabe numa única gota de mar.

Até que ponto de fato valeu a pena, mesmo com a imensidão da alma, mesmo com a irrestrição do olhar, mesmo com o máximo da experiência?

Até que ponto ainda a lâmina da faca permaneceria muda para os jornais, e a repulsão por si mesmo não seria revelada nas primeiras páginas de um folhetim barato de fofocas obtusas e desreguladas pela própria frustração de quem as faz?

Um rato penetrou na sala de jantar, e roeu as veias do anfitrião até este se debater no chão por ansiedade de mais vida e certeza do abismo diante de si. A diversão se dispersava nos olhares tristes e indignados do que sobrava de seu gene pelo mundo, e dos poucos amigos que de fato não corroíam sua carne com a acidez de cáustico paladar, de palavras mudas de venenos, porem impregnadas de mortalidade inaudível. Era assim o final da festa, e como o improvável possível se fez acontecer naquela interminável semana de prazer. Era assim que os medos se tornaram reais, e a alucinante e infantil paranóia se consagrava com uma coroa de veludo e diamantes em cima de uma cabeça de pedras de cristal e ampolas de vidro.

O inofensivo estava ali, brilhando nos olhos de um estranho, na pele marcada de um alguém para além do conhecimento. E ele havia sido convidado a entrar, alto, com sua tatuagem brilhando no braço, com seu sangue latino e olhos claros caucasianos misturados na face. Olhos de segredo e mistério, olhos de serpente. O sangue frio se camuflava no calor dos toques e na intensidade de cada beijo que cuspia morticínio invadido de ternura e proteção. Ali estaria a segurança, o prazer, a loucura interminável, e o amigo perfeito, não fosse pelo fato de nunca sequer saber quem, o que, e da onde vinha aquele sujeito com o rosto de anjo no seu coração de Judas.

O erro já estava configurado. O estanho já estava dentro de casa. Acordando os demônios debaixo da cama, e aproximando as trevas aos travesseiros. O acesso garantido, o código do portão, a chave da porta. Mesmo a intimidade construída em 5 dias de abstração e descompasso não asseguraram nenhuma estabilidade emocional, e certamente não evitaram a pulsão máxima do descontrole, da sensação entorpecida por uma faísca de desentendimento, de lapso do racional, do linear, do lógico. A morte havia sido literalmente convidada para entrar e se estirar no sol do meio dia daquela varanda de pensamentos inocentes, de rios intocados pelo impuro das civilizações metálicas e alfabetizadas sob o gosto vil da piteira sarcástica que fumava almas enroladas no papel do dólar. O assassino trazido da escuridão de um club do fim do mundo não poderia se assemelhar em nada com o auto-retrato de um psicopata americano, estereotipado nas telas de cinemas descartáveis em mais de meio século de hegemonia de imagens manipuladas e mascaradas pelo recorte do inapreensível, do sutil, do gosto de cupim nas entrelinhas do lábaro estrelado. Era assim a sedução encarnada na pele de um homem, de um cheiro animal nos dentes canibais de um sexo sem limites de expressão, num toque sem vexame ou comedimento, onde a urina penetrava nos canais mais íntimos que a intimidade poderia consentir, e se curvava ante o absoluto da novidade da experiência, se fazendo existir para alem da metafísica das compreensões modernas de se fazer amor. Era assim que a inocência se apaixonava pela sujeira da poesia sem contenção, desses ferros transformados em brinquedos para investigar as sensibilidades da uretra, e dessas borrachas moldadas pela mais pura liberdade de uma fabrica de chocolates para adultos. Era assim que a tranqüilidade pressentia a tragédia, e o inicio do fim. O jardim estava condenado, e as plantas morreriam de fome, de pânico, de calor, de inanição. A rosa deflorada pelo excesso de G., descosturada em seu ponto G., alimentada de palavras sem sentido, adubada por promessas em baixo da terra, e sepultada para sempre na xenofobia do estrangeiro.

Também não existia mais consciência, tampouco chance de defesa. Inerte e submergido, estava livre nos braços do outro, sem sentir o peso dos seus. A boca mastigava frases sem a menor esperança, e os olhos frios já se despediam do comum. Sua cabeça era pressionada contra a implacabilidade do metal que recheava aquelas torneiras reluzentes, com violência e continuidade. Golpes de velocidade e precisão. Uma, duas, três, cinco, dez pancadas, até que o rosto já se desfigurava por completo. Não restou muito daquela beleza sem contingência, irretocável, sem censura. Não restou muito de nada. A história de amor se desmanchava nas verdadeiras intenções daquele abjeto covil impregnado de humanidade, demônio sem asas disfarçado de homem. Seus olhos brilhavam com suas novas aquisições, as roupas caras e os perfumes, e os eletrônicos meios de continuar a se comunicar com suas maldades e egoísmos. Algum dinheiro também fez parte da trama, assim como o cúmplice para estacionar um furgão em plena luz do dia, e remover cada talher daquela casa de veraneio. Não sobraria mais nada, além daquele corpo debulhado pelas piranhas selvagens do asfalto, e de uma pesada cama com os restos de pólen dessa flor de libido e vermelha de paixão.

"Era uma casa bem desgraçada, não tinha mais vida, não tinha mais nada. "

 
Fernando Castro