Da noite repentina, em triste céu sem encanto,
Em cidade sem nuvem e de pranto,
Um rapaz ao seu pai dizia,
“se eu pudesse eu não seria”
E o pai, de astral incontroverso,
Olhos lancinantes e turvos,
De todo, ou em parte,
Da verdade se ouvia surdo,
E indo avante ao disparate,
Com amor tanto perverso,
Ao filho respondia,
“se certo fosse, Deus queria”
E o rapaz, já perdido em seu tempo,
Arrebatado aos poucos,
Em tristeza de vozes,
de obscuro sofrimento,
não sabia enfrentar,
ou mutilar seus algozes,
pois muito bem lhe sentia,
ao pai amado,
que em vida ou em morte,
tanto lhe queria,
não sabia se amava,
não sabia se sofria,
ou se amando sofrendo,
algum mau assim fazia,
ou de tudo, um pouco crente,
de súbito e de repente,
certeza tinha
que amava sofrendo,
e amando sofreria,
mas sem evitar o seu contendo,
simplesmente lhe dizia,
“se eu pudesse, eu não seria”
Em altivez e decidido,
O pai já não queria,
De todo ouvir resposta,
Ao seus ouvidos aturdidos,
Ao seus sentidos espremidos,
De dúvida interposta,
Ante questão indecorosa,
Não haveria como ser,
O que nunca teria sido,
Em seu mundo, em seu ver,
Pois algo bem vivido,
Não haveria de viver,
Um mau tão destemido,
Da vergonha de perder,
retidão de caráter,
e a integridade de ter sido
como todos devem ser.
Pois o filho nada era,
Mais que sonho ou quimera,
Uma vida sem saber,
O que de fato tanto peca,
Já que vive como é,
Já que sente e venera,
Esse pai com tanta fé,
Que impunha ao dizer,
Sem medir o seu sofrer,
Nas palavras que trazia,
As letras que diziam:
“se certo fosse, Deus queria”
Dito isso,
impetuoso em seu vigor,
Articulava seus olhares,
E ardia em seu amor,
Não haveria o que falasse,
Seu filho em crua dor,
Que remisse ou atenuasse,
Esse ultrajante usurpador
De juventude e ambição,
Que ardia em querer ser
Mas em explícita privação,
Desprovido do poder,
Sem alguma explicação,
Não sabia o que faria
Para seu pai esclarecer,
Sem maldade ou ironia,
Filho este que dizia,
“Se eu pudesse, eu não seria”
E assim, calavam os anjos
Frente a vozes não ouvidas
De surda teimosia
Cuja certeza inabalável
Filho este interrompia
Em seu contínuo amanhecer
Quando vinha a voz tardia
Que não se esquecia de dizer
"Se certo fosse, Deus queria”
Pois dada temerosa insistência
De palavras em filosofia
Que atinavam a persistência
Reforçando a eugenia
Veio com a tarde desse dia
Desmanchando-se nas nuvens
A imagem de um anjo
Que ao seu pai encaminhado
Com melífluos lábios
Sorrindo lhe dizia
“se Deus quisesse, também seria”
Agora em aturdido devaneio
visto que esse pai não entendia
o que seria de fato
frase esta que o anjo proferia
“se Deus quisesse, também seria”
e não entendendo o seu querer
se era medo, ou prazer,
ou até mesmo possibilidade
de algo que não seja também ser
atrelado a vontade
e ao desejo de poder
coisa outra que a mesma
que sempre quis viver
pois se Deus quisesse ele seria
o que de fato ele quer ser!
Pois então,
nesse abraço de inocentes lágrimas
veio esse anjo esclarecer
que se o filho quisesse
ele não seria,
mas que querendo ser
assim o faria
e que também este pai
se quisesse consentia
e que tudo, mesmo a morte
tem mais vida e alegria
quando livre o seu querer
libertado do dever
de não se poder ser
o que de fato se seria!
E quando nessa divina inspiração
pôs se o anjo frente ao pai
que não sabia mais se podia,
desejar o que sentia
junto a esse anjo mais que belo
que aos seu lábios lhe dizia
este beijo eu lhe daria
se não fosse tu
amado
quem mais queria
E nessa completa sedução
assistiu o filho ao pai
estremecido ante a dial beleza
dessa anjo que dizia
se tu quisesses, me beijaria
E nas lágrimas do céu
numa luz que acolhia
a redenção que escorria
entregava este pai
os lábios a este anjo de Adônis
que com amor lhe beijaria
e mais do que prazer
este beijo eterno lhe daria
um poder além do ser
que até então em si cabia
veio esse anjo em seus lábios escrever
para todo o sempre
“se Deus quisesse, também seria”
fernnado castro
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